27.3.15

Theo e Hanna

Theophilo era, como dizer, um sujeito no mínimo exótico. Tinha cabelos desgrenhados, olhos grandes, faces pálidas, bebia vodka pura, já fora viciado em absinto, ficava horas trancado em seu pequeno apartamento mal arrumado, fumando marijuana e escrevendo seus escritos incrivelmente talentosos .Abandonara a escola assim que aprendeu a ler e escrever. Tentava publicar seu livro desde os 17 anos. Agora aos 26 vivia sozinho e ganhava uns trocados trabalhando numa livraria velha, num prédio decadente do cais, sem as modernidades dos computadores, cafés e pães de queijo das grandes megastores.

O pó o inspirava, com o pó viajava pelas páginas de E.A.Poe, Kafka, Wilde, o pó o fazia escrever genialidades que em meio a sua insanidade e loucura achava medíocre e invariavelmente perdia-se em latas de lixo. A sarjeta o atraia, escrevia melhor quando zanzava pelas ruas, com um bloquinho de papel amarfanhado e sujo no bolso traseiro do jeans surrado. Observava as ruas com seus olhos embaçados por grandes bolas coloridas e flutuantes e ao fim da madrugada voltava pra sua cama solitária. Theophilo era um sujeito anti-tudo.

Um dia Hanna entrou na livraria empoeirada, somente ela naquele enorme buraco coalhado de livros. Ela ficou andando pelas estantes, observada de rabo de olho por Theophilo.Era magra, mais alta que ele, tinhas cabelos lisos e não enxergava bem sem óculos.Era estranhamente bonita, sem ser bonita.Hanna era estudante de Filosofia e frequentava a Universidade Federal. Todos os dias passava pela porta da velha livraria e reparava no jeito de Theophilo, neste dia por curiosidade entrou e o abordou sobre uma obra inédita de Sófocles. Ele imediatamente corou, se atrapalhou todo, agarrou uns dois ou três livros e balbuciou “estes, estes, leve” e virando nos calcanhares, sumiu pelos corredores da livraria. Hanna surpresa e sem graça agradeceu e saiu. Todos os dias que vieram a seguir ela entrava , pedia algum livro e ele a atendia da mesma forma. Ate que um dia ela a convidou pra tomar um café com conhaque. Nesta tarde descobriram tudo em comum.

Hanna se mudou pra casa de Theophilo. Arrumou os armários dele, tentou por em ordem seus escritos, passava as madrugadas acordada esperando Theo chegar das vielas, trôpego, com os textos geniais de sempre amassados e riscados e refeitos e riscados. O impedia de jogar no cesto de lixo. Deu força, disse o quanto ele era bom. Theo encontrara um novo rumo e escrevia agora para mais outra pessoa, além dele mesmo. O seu mundo crescera, e com isso, crescera também, a sua imaginação literária. Escrevia agora a um ritmo alucinante, produzia, produzia e acreditava que era bom. Mas sua inspiração cada vez mais vinha do álcool, drogas, remédios. Hanna não conseguia mantê-lo longe delas. Mas Hanna tinha tino, sabia divulgar seus trabalhos, era a mente sóbria, equilibrada.

Theo começou a fazer sucesso, os seus manuscritos começaram a circular no meio intelectual de todas as cidades mais importantes da região. Quando começava a ser aclamado por alguns dos mais expressivos escritores e artistas, Theo morreu. Os excessos, a escrita ensandecida, a imaginação fértil, as historias fantásticas. As misturas explosivas de drogas, antidepressivos e álcool haviam surtido – finalmente – o efeito desejado: Theo havia expressado toda a sua grande e espetacular criatividade, alcançara o quase sucesso definitivo, mas se perdera....
Hanna iria se suicidar dias depois. Jogou-se do terraço da velha livraria. A queda foi fatal. O amor de Theo também..